sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

A dessacralização do cemitério


O cemitério de Ponte de Lima foi inaugurado em 1879 depois de uma longa campanha que visava a consciencialização da sociedade para o enterro dos falecidos fora da malha urbana. Normalmente a população era sepultada nas igrejas ou no espaço exterior a estas. Uma visão mais higienista do séc.XIX aliada à extinção das ordens religiosas e nacionalização dos respectivos bens. Depois de muita resistência por parte da população este “campo sagrado” foi construído numa pequena colina situado nos terrenos do extinto Convento dos Frades de Santo António.

O local do repouso eterno está assim numa plataforma elevada isolado por densa vegetação. Acessamos através de um curioso caminho ladeado por muros enegrecidos pontuados por cruzeiros que serpenteiam a encosta e que conferem uma elevada carga poética ao percurso de aproximação. Na chegada, uma pequena praça conformada pelo muro do cemitério e dois pequenos edifícios simétricos acrescenta um valor cívico onde as pessoas se encontram para fazerem uma reflexão da morte contemplando ao fundo a vila e a paisagem que a envolve.

Parte desta descrição já não faz sentido no presente dia. Quando julgávamos que aquele local era “sagradamente” intocável, vimo-lo a ser descaracterizado na última década. Primeiro com o licenciamento de moradias que se implantam na encosta e que têm como serventia o antigo acesso ao cemitério. O “anel verde” que rodeava o cemitério vai sendo assim gradualmente quebrado. A situação agrava-se quando se rompe parte do acesso para o interligar com uma nova superfície comercial, alargando, alcatroando e portanto, quebrando a força que este percurso tinha na aproximação ao cemitério.

Penso que a integridade desta encosta do cemitério deveria ter sido minimamente preservada pelo seu valor histórico, patrimonial e paisagístico. Deveria ter sido encarada como espaço abrangido ainda pelo centro histórico e que consolidaria uma das entradas da vila protegendo-a do impacto das vistas cada vez mais indesejadas. Assistimos ao crescente convívio de moradias com outros tipos de infra-estruturas e nem sempre de forma bem sucedida. É preferível hierarquizar as funções dentro de um mesmo espaço urbano para que este seja facilmente apreendido pela população ou seja, de fácil leitura na estrutura urbana. Neste caso o que estava sedimentado na memória dos limianos como a “colina do cemitério” deixou de o ser.

As obras estão no local para continuar. Esperemos agora que o tempo dê razão ao argumento de utilidade pública a que se propôs. Já assistimos a várias intervenções promovidas ou patrocinadas pela autarquia que, sob este argumento de necessidade pública, lotearam e sacrificaram a área circundante à Avenida dos Plátanos e que com esta distância temporal ainda não conseguimos aperceber-nos da mais-valia resultante para os limianos.

Publicado no Jornal Alto Minho 24-01-2008

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